Viroses: a epidemia invisível da falta de saneamento

Crianças com febre, diarreia, vômito, dores de cabeça, nas articulações ou no corpo todo são levadas ao médico e, apesar de sintomas variados, o diagnóstico costuma ser o mesmo: virose.

O tratamento geralmente foca nos sintomas e, se o quadro não evoluir, a causa não chega a ser investigada. O mais indicado é repouso, boa alimentação e hidratação, para que o corpo consiga reagir e combater o vírus.

Mas, afinal, o que são as viroses?

Por definição, viroses são doenças causadas por vírus. Popularmente, o termo se refere às infecções de curta duração. Doenças virais mais específicas — como sarampo, dengue ou zika — costumam ser diagnosticadas diretamente pelo nome da doença, e não como “viroses”.

De forma geral, as viroses podem ser classificadas como gastrointestinais, respiratórias, transmitidas por mosquitos, de pele e as mais graves, como hepatite e poliomielite.

Falta de saneamento e surtos de doenças

Viroses sem identificação do agente causador podem esconder doenças mais sérias. Algumas infecções virais, quando não tratadas adequadamente, podem levar à morte. Por isso, ao perceber os sintomas, é importante procurar um médico e realizar exames — especialmente se os sinais persistirem.

Outro ponto crucial é a propagação dessas doenças, que pode levar a surtos — em grande parte causados pela falta de saneamento. O médico infectologista, professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e pesquisador especialista da Fiocruz/MS, Júlio Croda, estuda essa relação.

O pesquisador Júlio Croda, da Fiocruz/MS, estuda a relação entre saneamento e viroses.

“As doenças diarreicas estão intimamente ligadas ao saneamento básico, que impacta diretamente o número de casos. O maior resultado se dá com a redução de doenças transmitidas por água e esgoto sem tratamento e alimentos contaminados. Estima-se que as duas principais intervenções de saúde pública que mais reduziram a mortalidade no mundo foram o saneamento e as vacinas.”

Segundo ele, a recorrência da diarreia na infância é especialmente preocupante, pois está associada à desnutrição e ao baixo desenvolvimento cognitivo.

Maria Cleonice Pinheiro Carvalho, de Barcarena (PA).

Convivendo com as viroses

Dona Cleonice, 55 anos, moradora da Vila dos Cabanos, em Barcarena (PA), conhece bem essa realidade. Mãe de quatro filhos, lembra:

“As crianças só viviam com diarreia, às vezes com vômito; iam e voltavam do posto de saúde. Até que uma médica mandou dar água mineral. Comecei a comprar e parou.”

A família usava água de poço com aparência enferrujada.

“Era um poço de boca aberta, tinha que descer o balde e puxar a água. Ficava aquela crosta, tipo ferrugem. A gente coava para usar, para cozinhar e beber, para tudo.”

Além da diarreia, também havia coceiras frequentes.

“Do nada, apareciam coceiras. Levava ao médico, ele passava creme, sumia. Depois voltava.”

Francinete Vieira da Silva, de Timon (MA), teve hepatite na infância.

Cortando o ciclo da transmissão

A situação mudou com a chegada da água tratada.

“Depois que a concessionária Águas de São Francisco veio, melhorou. Agora a gente tem água tratada na torneira e aí ficou melhor, é água boa.”

Em Timon (MA), Francinete Vieira da Silva, moradora do Conjunto Padre Delfino, também conviveu com as viroses na infância por usar água de poço e não ter acesso à rede de esgoto. Aos 10 anos, teve hepatite.

“Tive febre, vômito e fiquei bem amarela, segundo minha mãe.”

A água usada vinha de poço, era escura e barrenta.

“Depois que chegou a água tratada, diminuiu o número de crianças doentes na vizinhança.”

Hepatite A e a ligação direta com a água

De acordo com Júlio Croda, a hepatite A é uma das doenças virais mais associadas à falta de saneamento básico. A transmissão ocorre por via fecal-oral, quando o vírus é ingerido por meio de água ou alimentos contaminados com fezes, ou por contato com objetos infectados.

Dengue, zika e chikungunya: o papel da água parada

Essas doenças têm relação direta com a proliferação do mosquito Aedes aegypti. Segundo Croda, a falta de água faz com que famílias armazenem o recurso em reservatórios abertos, o que favorece a reprodução do mosquito e amplia o risco de transmissão.

“Esse é um ponto que está ligado, eventualmente, ao saneamento. Assim como os outros, precisa mudar”, explica o pesquisador.

Texto: Chris Reis e Rosiney Bigattão

Fotos: Arquivo pessoal dos entrevistados e shutterstock.

Fontes: O que são viroses / Doenças virais mais comuns