“Nunca pensei em desistir de levar as crianças para a escola, porque elas têm que aprender; se não aprenderem, fica ruim para elas.”
A afirmação é de *Edivânia, 39 anos, sobre as dificuldades dos filhos e sobrinhos para frequentar as aulas em uma escola rural de um dos 16 municípios que integram o Arquipélago do Marajó, no Pará. São inúmeros desafios diários, entre eles, a falta de uma estrutura básica adequada: o banheiro.
Quase quatro mil escolas sem banheiros adequados no Brasil
A escola em que os dois filhos (6 e 15 anos) e os dois sobrinhos (13 e 11 anos) de Edivânia estudam é uma das quase quatro mil do país que não dispõem de banheiros adequados, realidade que impacta milhares de estudantes em todo o Brasil. Os números são do Censo Escolar 2024.
No contexto da unidade escolar onde estudam as crianças de Edivânia, o banheiro é uma casinha de madeira, com uma espécie de caixa em cima do assoalho, ambos também de madeira, e com um buraco no meio. “A pessoa sobe na caixa para fazer as necessidades”, detalha a mãe. Segundo ela, as crianças menores evitam fazer as necessidades ou acabam não indo sozinhas.
“A situação está bem precária, mas a escola já vai construir um banheiro novo e adequado.”
Por enquanto, nem vaso sanitário, nem estação de lavagem de mãos. A torneira fica próxima à sala de aula, distante do banheiro – ou casinha – usada para as necessidades das crianças e professores. E, para chegar ao local, todos precisam atravessar uma ponte de madeira que tem cerca de 10 metros.
Medo vai dar lugar à motivação com construção de banheiro adequado
Edivânia conta que, em casa, o banheiro é semelhante ao da escola, mas que o da unidade escolar acaba por gerar um certo medo por estar com a estrutura danificada.
“O meu pequeno sempre diz que sente medo, por causa do assoalho que está com problema.”
A situação, no entendimento dela, afeta a aprendizagem, porque, embora não consiga estimar, ela acredita que alguns estudantes deixam de ir às aulas por causa da precariedade do banheiro. “Mas a situação vai melhorar logo, logo, porque vão construir um banheiro adequado”, reforça a mãe.
“De alvenaria, regularizado, com vaso, descarga e chuveiro”, descreve o professor e diretor da unidade, *Joaquim, 31 anos, ao confirmar que em breve ela terá o novo banheiro. Todo o material já foi comprado, e a comunidade escolar está contando os dias.
A estrutura básica representa motivação, no olhar de quem transmite conhecimento. “Afeta a aprendizagem até certo ponto, uma escola bem estruturada motiva mais os alunos”, diz *Joaquim, lembrando que, para as meninas, existe ainda o fator do período menstrual, o que amplifica o empenho em oferecer o banheiro adequado. A escola tem 48 alunos.
Quem tem acesso ao saneamento básico frequenta escola por mais tempo
O banheiro inadequado na escola ou em casa não é o único aspecto que pode impactar de forma negativa a aprendizagem. A falta de todos os serviços que integram o saneamento básico, sobretudo água tratada e acesso à rede de esgoto, compromete e muito o desempenho escolar.
Dados do IBGE (2022), disponíveis no Painel Saneamento Brasil, indicam que a escolaridade média das pessoas que têm acesso ao saneamento é de 11,87 anos, e a das pessoas que não têm acesso aos serviços é de 10,06 anos. O indicador considera a frequência escolar de estudantes com e sem acesso aos serviços de água e esgoto.
Região Norte: maior atraso escolar do país
Segundo estudo do Instituto Trata Brasil, divulgado em 2024, a região Norte, onde Edivânia mora, registrou o maior atraso escolar do país, com média de 2,4 anos. O Sudeste do Brasil teve o menor atraso, média de 1,5 ano. O número assusta, as dificuldades diárias existem, mas desistir não está nos planos, nas palavras de Edivânia: “se não aprender fica ruim para elas [crianças]”.
A concessionária que assumiu os serviços de água e esgoto do Pará no último mês de setembro, prevê que até 2033 o abastecimento de água alcance 99% da população do Marajó. Já a coleta e o tratamento do esgoto estará acessível para 90% dos moradores do arquipélago no mesmo período.
*Edivânia e *Joaquim são nomes fictícios, pois os entrevistados preferem não se identificar.
Leia mais sobre as relações entre saneamento e educação nas reportagens anteriores e a seguir.
Texto: Chris Reis
Foto da home: Shutterstock
Fontes: Censo Escolar 2024 |Instituto Trata Brasil | Atraso escolar Trata Brasil | Banheiro aos 12