Geralmente, são elas que cuidam das crianças e das tarefas domésticas, como lavar louça, lavar roupa e cozinhar. E, quando a casa está em local sem acesso à água tratada, não raro, cabe a elas resolver a questão, seja com a “lata d’água na cabeça” para levar água para casa, seja caminhando até um rio próximo para lavar a roupa.
Quem tem água tratada saindo da torneira todos os dias talvez só imagine ou acompanhe cenários semelhantes pela televisão ou internet. Mas, na vida real, as mulheres são mais afetadas do que os homens por Doenças Relacionadas ao Saneamento Ambiental Inadequado (DRSAI). No ano passado, o Brasil registrou 344,4 mil internações por esse tipo de doença, e as mulheres responderam por 53% desse total. As informações são do Instituto Trata Brasil.
As DRSAI podem ser transmitidas de diferentes formas: fecal-oral, como diarreias, salmonelose, cólera, amebíase, febre tifóide, hepatite A, entre outras; por insetos vetores, como a dengue, febre amarela, malária e doença de Chagas; por meio do contato com a água contaminada, como esquistossomose e leptospirose; pela higiene inadequada, como conjuntivite e dermatofitoses; ou por geo-helmintos e teníases, como ascaridíase e cisticercose.

Banheiro aos 12: a história de quem viveu sem o básico
Nascida na zona rural entre os municípios de Fátima do Sul e Dourados – ambos na época no estado de Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul -, a técnica de enfermagem Andreia Barbosa de Oliveira, 51 anos, lembra que a diarreia era comum, fazia parte da vida da família:
“No sítio, a situação era difícil. Por vezes fazíamos as necessidades no mato. Na cidade, em Fátima do Sul, o banheiro ainda era uma casinha no fundo do quintal com o buraco, que era a privada, e tinha muita mosca. A água também era de poço. Então, era comum adoecer.”
Mesmo quando as mulheres não são atingidas por DRSAI, elas acabam envolvidas no cenário, assumindo o papel de cuidadoras, sobretudo das crianças e idosos – grupos mais afetados por doenças desse tipo. Ainda segundo o Trata Brasil, crianças de 0 a 4 anos e idosos representam 43,5% das internações por esse tipo de doença. Todo esse contexto afeta de forma negativa a vida das mulheres.
A descoberta da descarga e o cuidado com o banheiro
Foi aos 12 anos de idade que Andreia teve banheiro adequado na casa em que morava. “Já tínhamos mudado para Campo Grande. Lembro que lavávamos mais o banheiro que a cozinha. Era muito interessante dar descarga e ver que não ficava nada.”
Para ela, ter banheiro em casa também significava liberdade para sair em qualquer época do mês. “Quando você tem toda a estrutura em casa, você vai ao banheiro, você se lava. Você está menstruada, você se lava. E, em lugares que não têm essa estrutura, é ruim, porque você não tem como fazer a higiene adequada. Você se sente fedida”, diz a técnica de enfermagem.
Por ter se sentido assim, por diversas vezes, Andréia deixou de participar de compromissos da adolescência e até mesmo de ir à escola. Segundo o UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância), uma em cada dez meninas no mundo deixa de ir à escola quando está menstruada. No Brasil, uma a cada quatro.
Invisíveis no ciclo: como a falta de saneamento agrava a pobreza menstrual
A falta ou precariedade de saneamento básico no Brasil vai além do adoecimento por DRSAI. O estudo do Trata Brasil intitulado “O saneamento e a vida da mulher brasileira” (2022) apontou que 2,5 milhões de mulheres não tinham banheiro em casa.
A falta dessa estrutura traz sofrimento, e as mulheres são as que mais sentem o impacto, expondo-se à higiene precária por não ter água. É uma situação preocupante, pois potencializa a chamada pobreza menstrual.
Em entrevista ao podcast “Falando sobre saneamento”, do Instituto Trata Brasil (2021), a fundadora do Projeto Luna, Victoria Dezembro, conceituou a pobreza menstrual como a falta de acesso à educação sobre menstruação e a ausência de saneamento básico e de artigos menstruais, como absorventes higiênicos. O projeto atua para reduzir a pobreza menstrual no país e faz a distribuição de kits de higiene para meninas e mulheres.
“O acesso ao saneamento básico, o acesso à água e a instalações de lavagem de mãos são essenciais para que a pessoa que menstrua consiga realizar a higiene que o período requer com dignidade e saúde. Isso significa ter a oportunidade para se lavar e descartar o material menstrual de forma segura e confortável”, disse à época a fundadora do Projeto Luna.

Um futuro diferente
Mãe de duas filhas, uma já adulta e a outra adolescente, Andreia de Oliveira é só orgulho ao dizer que as filhas não vivenciaram a realidade dela:
“Eu passei por situações que, graças a Deus, minhas filhas não conheceram, mas ainda existem mulheres que passam por isso, pessoas que ainda vivem sem saneamento. Isso é muito ruim, porque gera doenças.”
Texto e fotos: Chris Reis
Foto da home: Joa Souza / Shutterstock
Fontes: Gastos com internações, Instituto Trata Brasil / Estudo sobre DRSAI / Projeto Luna