Elas têm menos de seis anos de idade, estão na primeira infância, considerada fundamental para o desenvolvimento em todos os aspectos – cognitivo, motor, social e afetivo. Para isso acontecer, precisam ter acesso aos serviços básicos. Mas, infelizmente, essa não é a realidade de seis milhões e seiscentas mil crianças brasileiras que estão fora da escola por causa da ausência de saneamento.
Começa aí um ciclo que pode perdurar até a vida adulta, com impactos negativos não só para a criança, mas para sua família e toda a sociedade. Sem acesso aos serviços, as doenças se tornam frequentes, o que leva o estudante a faltar às aulas e ter déficit na aprendizagem. Com notas baixas e reprovação, ele se desmotiva e acaba largando os estudos.
Dificuldades de aprendizagem na infância levam a menor renda na vida adulta
Um estudo feito pela EX ANTE Consultoria Econômica para o Instituto Trata Brasil, divulgado em outubro do ano passado, mostra que as notas mais baixas em todas as fases escolares levam a um potencial de renda menor.
Considerando os 35 anos de atuação profissional, a diferença de renda pode chegar a 46,1% entre duas pessoas: uma que teve acesso ao saneamento na infância e adolescência e outra que foi privada desse serviço ao longo de sua vida. Essa diferença pode representar, por exemplo, a capacidade de comprar ou não uma casa própria.
O início do ciclo que perpetua a pobreza
“Futuro em risco: os impactos da falta de saneamento para grávidas, crianças e adolescentes” mostra que é na primeira infância que os impactos da falta de saneamento são mais severamente sentidos (leia mais sobre o assunto na reportagem anterior).
Em 2019, ano-base para esses dados, foram 6,6 milhões de afastamentos de creches e pré-escolas por doenças de veiculação hídrica. Considerando a população nessa faixa etária, aproximadamente 4 a cada 10 crianças com idade até 6 anos se afastaram de suas atividades rotineiras em razão de diarreias e doenças transmitidas por insetos e animais.

As sequelas no desenvolvimento físico e cognitivo na segunda infância
As crianças que viveram a primeira infância em condições precárias de saneamento passam para a segunda infância, período de 7 a 11 anos de idade, com sequelas no desenvolvimento físico e cognitivo. Se continuam sem acesso adequado aos serviços, a dificuldade no aprendizado se agrava, pois é o momento em que estão iniciando o ensino fundamental, base de toda a cadeia de conhecimentos.
Ao elevar as chances de ocorrência de enfermidades que levam ao absenteísmo nas aulas, a falta de saneamento atua como um fator que interfere de forma decisiva na escolarização e no desempenho escolar das crianças.
Diferenças da falta do saneamento no desempenho escolar
O estudo ainda mostra as análises feitas nas diferenças de notas nas provas de língua portuguesa e matemática para dois grupos de alunos do 5º ano do ensino fundamental: com ou sem água tratada em casa.
Em língua portuguesa, os estudantes que não tinham acesso ao serviço tiveram nota 20,9 pontos inferior à do outro grupo, com água tratada. Na prova de matemática, a diferença foi semelhante, de 19,1 pontos entre os dois grupos.
Ter ou não banheiro em casa faz uma diferença ainda maior no desempenho escolar. A média do grupo que não tem foi 45,5 pontos inferior à nota do grupo com acesso a banheiro. Em matemática, a diferença também foi muito expressiva: 39,5 pontos entre os dois grupos. Saber identificar as horas num relógio ou calcular o troco são capacidades cognitivas presentes nos alunos que moravam em residência com água tratada e banheiro de uso exclusivo.
Futuro do país em risco
Para Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil, o estudo expõe a necessidade urgente da universalização do saneamento no Brasil.
“Os efeitos da falta de infraestrutura adequada na educação são catastróficos a curto, médio e longo prazo, colaborando para a perpetuação de um ciclo de subdesenvolvimento que não é o que queremos para o nosso país. Somente priorizando o tema na agenda pública reverteremos essa situação.”
A história de milhões de crianças brasileiras não deveria ser marcada pela ausência do básico. Garantir saneamento é garantir dignidade, saúde, educação e igualdade de oportunidades. Investir hoje em água tratada e redes de esgoto significa interromper o ciclo da pobreza e permitir que a infância siga seu curso natural: crescer, aprender e sonhar com um futuro melhor.
Texto: Rosiney Bigattão
Fotos: Shutterstock.
Fontes: Exante Consultoria | CNN Brasil