Saneamento, clima e COP30: o Brasil no centro das soluções

Com a bagagem de quem acompanha de perto a agenda ambiental global há anos, Édison Carlos — conselheiro do Saneamento Salva, presidente do Instituto Aegea e ex-presidente do Trata Brasil — traz uma visão clara, acessível e urgente sobre os impactos das mudanças climáticas no nosso dia a dia. Ele já esteve em outras edições da Conferência da ONU sobre o Clima e terá participação ativa na COP30, que pela primeira vez será realizada no Brasil, em Belém, no coração da Amazônia.

Nesta conversa, Édison conecta pontos que nem sempre andam juntos no noticiário: o clima, o meio ambiente e o saneamento para populações mais vulneráveis. Ele explica por que o saneamento é peça-chave na luta contra os fenômenos climáticos extremos — e mostra que a COP30 não é apenas um evento distante entre líderes mundiais, mas uma oportunidade real de transformação na vida de milhões de brasileiros.

Confira.

Por que a COP30 é histórica?

A COP30 é um momento de virada. Primeiro, porque a COP vem de três edições em países produtores de petróleo, que foi uma crítica feita até às Nações Unidas por conta do principal objetivo — a redução gradativa do uso de combustíveis fósseis, pois eles lançam muito gás carbônico na atmosfera e contribuem para o aumento da temperatura do planeta. Agora, a COP está se voltando para os países que são precursores da discussão, como o Brasil. Segundo, porque a Amazônia é muito simbólica nesse movimento mundial, além de ser considerada a floresta mais relevante de todo o planeta para sequestrar carbono e combater o aquecimento, com mais de 20 milhões de pessoas vivendo lá. Além disso, é uma aproximação da Conferência com pessoas que sofrem também com as mudanças climáticas, pessoas vulneráveis. Essa junção do social com o ambiental estará muito presente na COP30. Por tudo isso, o mundo inteiro está olhando para o Brasil para saber o que nós estamos fazendo, quais os esforços feitos para cumprir com os nossos compromissos de redução de emissões, mas também o que nós estamos fazendo para proteger essa floresta que é tão importante para todo o planeta.

Por ser aqui no país, a COP30 pode fazer com que os brasileiros se envolvam mais com esses temas?

O Brasil tem um papel de destaque nas discussões por ser uma potência agrícola mundial, muito importante para a segurança alimentar do planeta. E muitos desses fenômenos climáticos têm atingido justamente a agricultura e a pecuária, com impacto na produção de alimentos. Por ser esse grande exportador de commodities agrícolas para o mundo todo, o país é um símbolo disso. Outra questão é a necessidade do reflorestamento de áreas degradadas, da proteção dos biomas; a discussão no Brasil aterrissa para temas muito concretos. Em outras COPs, o tema estava muito centrado na transição energética, na necessidade de redução do uso de combustíveis fósseis e no aumento das energias renováveis, mas aqui os temas se amplificam muito. O tema do saneamento básico, principalmente da oferta da água, que passou à margem das últimas discussões da COP, voltou com muita força no Brasil. Todo mundo espera que a Conferência seja muito mais próxima do dia a dia das pessoas do que tem sido as últimas.

Qual a relação entre saneamento, meio ambiente e clima?

O saneamento básico cada vez mais é visto como uma das infraestruturas mais importantes para reduzir as desigualdades que existem nas cidades, principalmente o atendimento às pessoas mais vulneráveis. E o que conecta isso com a COP30? Essas comunidades mais vulneráveis, mais pobres, que moram mais distante dos centros urbanos, em áreas de favelas e palafitas, também são as que sofrem mais pelos fenômenos extremos, como as secas e as enchentes. São elas que têm mais dificuldade de retomar a sua vida depois dessas catástrofes. E quando essas pessoas não têm acesso à água limpa, estão mais expostas às doenças. Por outro lado, quando todas essas pessoas em situação de vulnerabilidade têm acesso a essa infraestrutura, que é fundamental para a higiene, para o controle de diarreias, de verminoses e hepatites, por exemplo, elas ficam em uma condição mais igualitária com as pessoas com uma situação de renda melhor. Então, quando falamos de justiça climática, ter ou não saneamento fará toda a diferença para essas pessoas no enfrentamento dos fenômenos climáticos. É fundamental que consigamos resolver a questão do acesso aos serviços de saneamento para que elas estejam mais preparadas para esses eventos que têm vindo com tanta frequência.

Qual é o aprendizado que fica das últimas conferências das quais você participou para a COP30?

Na COP28, em Dubai, pela primeira vez se colocou em um documento formal a necessidade da transição: a lenta saída dos combustíveis fósseis para as energias renováveis. Apesar disso ser tão óbvio, existe um movimento enorme dos países produtores de petróleo para que essa questão não entre nos documentos formais. Esse foi considerado um avanço frente a outras COPs. Também foi lançado oficialmente o Fundo de Perdas e Danos, que são recursos internacionais para os países mais pobres, que mais estão sofrendo ou que virão a sofrer com as mudanças climáticas. Existe uma série de países pequenos, que são ilhas, que podem ser muito prejudicados, por exemplo, com o aumento do nível do mar, e precisam desses recursos internacionais para se preparar para esses fenômenos que estão avançando. Já no Azerbaijão, no Baku, ano passado, a grande discussão era o financiamento climático: de onde virá esse capital tão importante para se fazer a transição energética.

Como está a situação do Brasil?

Temos uma situação energética muito favorável, uma energia limpa há muitos anos, tem a base em água, a energia hidrelétrica, e o Brasil também cresceu muito no uso de energia solar e energia eólica. Estima-se que o mundo vai demorar mais de 30 anos para chegar na matriz energética que o Brasil tem hoje. O país está em uma posição muito favorável, mas para que o mundo faça essa transição, é preciso muitos recursos, principalmente para os países mais pobres. Na COP29 a delegação brasileira lutou para que esse fundo chegasse a 1,3 trilhão de dólares por ano. Chegou, no máximo, a 300 bilhões de dólares por ano, o que era muito menos do que o esperado. Mas, olhando o “copo meio cheio”, é três vezes o que os países ricos estavam colocando em mudança energética. Então, foi considerado um avanço. Também se espera agora que grande parte da discussão sobre financiamento climático que não se conseguiu fazer lá em Baku, no Azerbaijão, migre para Belém.

Qual deve ser o saldo da COP30 para o Brasil?

Do ponto de vista midiático, o mundo inteiro se volta para o que está acontecendo no país; é natural que se acelerem as soluções onde a COP é realizada. Houve uma mobilização muito grande nos dois anos que antecederam a COP30, e é normal que o país faça um esforço maior para mostrar que está caminhando para resolver os problemas. O Brasil tem o compromisso de zerar a emissão de gases de efeito estufa até 2050; isso é uma consequência da COP ter vindo para o Brasil, pois acelerou esse processo por conta dessa grande visibilidade. O setor privado também se mobilizou para colaborar com o esforço do governo federal no atingimento dessas metas. Esse aumento vertiginoso da participação do setor privado é uma característica da COP de Belém. Outro ponto de diferenciação é que ela está sendo considerada a COP das soluções, da implementação, e não somente da retórica. Passamos muitos anos debatendo se esses fenômenos eram reais ou não; havia uma grande discussão acadêmica, muitos cientistas se negavam a admitir que o aumento de temperatura vinha por conta das atividades humanas. Essa fase passou, mas se perdeu muito tempo, e os fenômenos claramente estão aí, chegaram com uma força muito maior do que se imaginava. O Brasil também é um exemplo por ter aprendido com fenômenos extremos, como a seca no Amazonas e as enchentes no Rio Grande do Sul. Vai se falar muito de soluções, muito do que já se conseguiu fazer, o quanto o setor privado já conseguiu caminhar. O setor privado terá um papel fundamental nesse cenário de apresentar soluções que o Brasil vem implementando e que podem servir de exemplo para outros países.

A partir do evento, aumenta a responsabilidade do Brasil com os temas ambientais?

A grande emissão de gases de efeito estufa do Brasil vem do desmatamento. A maior parte, mais de 50% do que o Brasil emite, vem de florestas devastadas, sejam por incêndios ou mau uso da terra. O Brasil tem uma lição de casa muito forte para fazer, para regenerar essas áreas, para produzir mais em áreas degradadas e não abrir mais áreas de floresta para poder fazer pecuária, para fazer agricultura. A Amazônia é um símbolo de um espaço que está sendo devastado ao longo dos tempos, principalmente para essas atividades. Fazer a COP30 na Amazônia traz para o Brasil também uma necessidade de ampliar o controle sobre essa floresta, que é tão importante para a manutenção do clima do planeta, porque os olhares vão estar todos ali. Para muita gente, a Amazônia ainda é algo muito distante, não faz a menor ideia do que seja, ouve falar, lê, mas não tem a menor ideia, e com a COP30 as pessoas vão ter a oportunidade de vivenciar a floresta. Por outro lado, nos coloca uma responsabilidade muito maior de zelar por essa floresta, por esse bioma e pelos povos que ali vivem; isso fica em evidência. As culturas milenares dos povos tradicionais de proteção à floresta são ensinamentos que a gente precisa trazer para o dia a dia, porque eles sabem proteger, mas também precisam se desenvolver, por meio da bioeconomia, para aproveitar melhor os recursos. Tudo isso vai estar dentro de um cenário de visibilidade que o Brasil vai enfrentar, tendo a COP lá no meio da floresta.

Em relação à redução de emissão, o Brasil tem feito a lição de casa?

O governo federal, governadores, prefeitos, iniciativa privada — todos sabem que precisam fazer mais. Isso é uma lição de casa que todos temos que fazer. Felizmente, a gente está num país que tem uma matriz energética bem limpa, é um modelo para o mundo. Por outro lado, nós não tivemos o cuidado na expansão das nossas fronteiras agrícolas. Nós privilegiamos muito mais o aumento do território para poder fazer esse manejo do que a eficiência no uso da terra, a gente foi expandindo, devastando florestas, retirando matas nativas para poder ampliar o cultivo agrícola, a pecuária, tudo isso. Hoje está claro que poderíamos ter feito melhor e o Brasil sabe que tem que mudar esse jogo. Em relação às emissões, o Brasil ainda é um player pequeno comparativamente aos grandes emissores, principalmente Estados Unidos, China e União Europeia, que emitem muito. Mas o mundo olha para o Brasil porque o país detém, assim como a Indonésia, grandes florestas que são fundamentais. Outro tema muito importante é que o Brasil também pode ser protagonista na proteção dos oceanos. O maior sequestrador de carbono do planeta é o oceano. Temos uma extensão territorial marítima enorme; tratar melhor o oceano e o saneamento também é muito importante para evitar que o lixo e o esgoto sem tratamento vão parar lá. É uma lição de casa que o Brasil tem que fazer, tentar captar recursos internacionais com o Fundo de Florestas para poder fazer com que o país tenha mais condição de fazer essa eliminação das suas emissões no menor tempo possível.

Para encerrar: como cada um pode contribuir no combate às mudanças climáticas?

Muita gente faz essa pergunta porque são temas tão amplos que muitas vezes as pessoas se sentem indefesas, muito pequenas. “O que eu posso fazer para ajudar a resolver um problema tão grande?” Comece pela sua casa, endereçando melhor o seu lixo, gerando menos lixo, verificando se ela está conectada às redes de água e de esgoto. Se você não tem saneamento básico, lute para ter, converse com seus vizinhos, crie pequenos movimentos, ensine seus filhos a serem poupadores de água. Na medida em que você tenha espaço, plante uma árvore que seja adequada ao lugar em que você vive. Hoje em dia, a gente tem ferramentas de busca na internet para que possamos nos preparar melhor para as coisas. Utilize as suas redes sociais para discutir esses assuntos, converse com as pessoas do seu núcleo, falando dessa necessidade da gente poluir menos, gerar menos resíduo, usar o saneamento básico de forma adequada. Na medida do possível, use menos veículos e mais o transporte coletivo. Ou seja, coisas que a gente aprende na escola mas que, com o tempo e as dificuldades do dia a dia, acaba esquecendo. Então, mantenha-se informado e busque fazer a sua parte. Assim, vamos contribuir para que o Brasil e o planeta saiam dessa situação tão complicada que estamos vivendo hoje.

Édison Carlos

Mais sobre Édison Carlos

Presidente do Instituto Aegea, é responsável pelo planejamento e desenvolvimento das estratégias socioambientais da empresa no Brasil. Foi presidente do Instituto Trata Brasil por 11 anos e ajudou a tornar a entidade uma referência nacional, coordenando estudos, pesquisas e ações voltadas à mobilização da sociedade pela expansão do saneamento básico no país. Ganhou o Prêmio Faz Diferença – Personalidades 2012, do jornal O Globo, como a pessoa que mais se destacou na área da sustentabilidade no Brasil. Químico Industrial pela Escola Superior de Química das Faculdades Oswaldo Cruz e pós-graduado em Comunicação Estratégica pela USP. Possui sólida experiência nas áreas Social e Ambiental, com atuação também em estratégias de Relações Institucionais e Comunicação.