Antes do caderno, da lousa e do professor, há um elemento silencioso que molda o futuro de milhões de crianças brasileiras: o acesso à água potável e ao esgoto tratado. Em um país em que mais de 1,4 milhão de estudantes ainda frequentam escolas sem acesso à água limpa e 440 mil estudam em unidades sem banheiro, segundo levantamento feito pelo Instituto Água e Saneamento sobre o Censo Escolar, a educação começa — ou falha — na torneira.
O saneamento básico, presente na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU desde 2010, foi incluído timidamente na Constituição Brasileira em 1988 e, atualmente, tramita na Câmara Federal um projeto de lei que o reconhece como um direito social. A Lei Federal nº 11.445/2007 define o saneamento básico como um conjunto essencial de serviços, infraestruturas e instalações necessárias para promover a saúde pública, proteger o meio ambiente e assegurar a qualidade de vida da população. Desde a aprovação do Novo Marco Legal do Saneamento, em 2020, houve avanços pontuais, mas o saneamento no Brasil continua sendo negligenciado e, além da saúde, a educação é diretamente afetada.
Como a falta de saneamento impacta o desempenho escolar
Crianças expostas a ambientes insalubres adoecem com mais frequência, especialmente por doenças como diarreias, verminoses e infecções, levando a faltas recorrentes, baixo desempenho e evasão escolar. A falta de higiene afeta a concentração e o bem-estar físico e emocional das crianças em sala de aula, cria um ambiente desmotivador para alunos e alunas e pode diminuir a autoestima e o interesse dos estudantes pela aprendizagem. Em escolas sem banheiros adequados, meninas tendem a abandonar os estudos ao iniciar o ciclo menstrual, por falta de privacidade e segurança.

Para o médico pediatra Alberto Jorge Felix Costa, “crianças que não têm acesso à água tratada são mais predispostas a ter doenças gastrointestinais, doenças respiratórias e verminoses. Sem saneamento, o desempenho escolar fica comprometido não só pela falta à escola durante o período da doença em si, mas também pelas sequelas que essas doenças podem causar. O prejuízo físico, emocional e cognitivo existe cumulativamente ao longo da vida da criança. Além do que, algumas dessas doenças são infectocontagiosas, afetando muitas vezes toda a família e impactando em vários aspectos”.
Estudos do Instituto Trata Brasil revelam ainda que escolas de regiões periféricas e majoritariamente negras têm menor acesso à água potável e a banheiros funcionais, evidenciando um recorte racial e territorial da desigualdade. A precariedade das condições físicas das escolas escancara a desigualdade social e racial, perpetuando ciclos de pobreza e exclusão.
Saneamento como pilar do futuro educacional
Investir em saneamento é investir em permanência escolar, equidade e dignidade. Ao garantir água limpa, banheiros seguros e educação sobre higiene, o Brasil pode transformar escolas em verdadeiros espaços de desenvolvimento humano. Para o médico oncologista e escritor Drauzio Varella, locais sem banheiro e sem água potável são ambientes potencializadores para a contaminação por vírus, bactérias e parasitas.

Se o país deseja alcançar metas educacionais ambiciosas, como as previstas no Plano Nacional de Educação (PNE), o saneamento precisa deixar de ser um detalhe técnico e passar a ser prioridade política. Cada investimento em saneamento escolar é um investimento em capital humano. Estudantes que crescem em ambientes saudáveis têm mais chances de concluir seus estudos, ingressar no mercado de trabalho e contribuir para o desenvolvimento de suas comunidades.
A educação de qualidade não se constrói apenas com livros e professores. Ela começa com dignidade, saúde e infraestrutura. E isso significa garantir que cada criança, em qualquer canto do Brasil, possa abrir uma torneira e encontrar água limpa. Porque, sem saneamento, não há saúde. Sem saúde, não há aprendizado. E, sem aprendizado, não há futuro.
Texto: Maristela Yule
Fotos: Shutterstock e arquivo pessoal dos entrevistados.
Fonte: Trata Brasil