Do caos à reflexão: eventos climáticos extremos ampliam desigualdades

“Eu nunca imaginei ver isso na minha vida. Há alguns anos, teve um forte temporal que destruiu muita coisa, mas nada comparado ao que aconteceu agora. A cobertura da casa dos meus pais ficou destruída”, diz a psicóloga Alana Brito, 28 anos, sobre o cenário devastador causado pela passagem de um tornado em Rio Bonito do Iguaçu (PR), no dia 7 de novembro deste ano. A família dela é do município e ela cresceu ali. 

Alana se casou recentemente e mora em Laranjeiras do Sul, município próximo. Ela é fundadora e presidente da ONG Bicho Vivo, que existe virtualmente desde 2021 e, neste momento, trata dos animais atingidos pelo evento climático extremo. Até agora, 100 animais domésticos foram atendidos por cerca de 60 voluntários no prédio que abriga a Feira do Produtor. “Acredito que o trabalho é de grande valia, porque essas pessoas não têm condições nenhuma de tratar desses animais.”

Didi, cãozinho da família de Jefferson Velozo, foi resgatado após o tutor ter a casa colocada ao chão pelos ventos de mais de 330 km/h. “Eu estava jantando, começou a ter pico de energia, aí levantei para chavear a casa e ela começou a ser destelhada. Falei para minha esposa correr, ela se escondeu embaixo de uma cama de solteiro e eu fiquei no corredor; vi as paredes caírem”, detalha Jefferson Velozo.

As imagens de destruição não saem da cabeça do funcionário público, que agora vive em casa alugada com a esposa Luiza, a filha de 22 anos e quatro cachorros, incluindo Didi.

A devastação também feriu os tutores do cãozinho. “Eu machuquei um pouco da costela, minha esposa as pernas, mas nada muito grave, pela sorte”, detalha Jefferson.

O cãozinho Didi foi resgatado, recebeu tratamento e está com os tutores
O cãozinho Didi foi resgatado, recebeu tratamento e está com os tutores

Tornado deixa rastro de destruição e expõe os mais vulneráveis 

Os ventos de mais de 330 km/h destruíram casas e deixaram centenas de pessoas desalojadas e feridas. Segundo a imprensa, seis pessoas morreram. A situação mobilizou o país, doações foram enviadas ao município e voluntários de diferentes áreas se deslocaram. O foco: reconstrução. E, junto a isso, a reflexão de que os mais vulneráveis são os que mais sofrem diante da fúria da natureza, o que denuncia a chamada injustiça climática — as pessoas não são afetadas da mesma forma por fenômenos naturais. 

“As famílias vulneráveis são as mais afetadas. Elas perdem tudo e demoram anos para conseguir reconstruir”, pontua Alana Brito. Reconstruir a casa, a vida e cuidar dos animais, que para muitas famílias simbolizam o amor, exige estrutura emocional e financeira. E é justamente esse o ponto em que, em um cenário de evento climático extremo, os já vulneráveis ficam ainda mais à mercê da sorte.

Casa da família de Jefferson foi totalmente destruída.
Casa da família de Jefferson foi totalmente destruída.

O saneamento e a justiça climática 

Mas qual a relação entre a justiça climática e o saneamento? Em locais sem infraestrutura adequada, a população fica ainda mais vulnerável, o que evidencia que justiça climática e justiça social estão intimamente ligadas. As variações climáticas afetam a infraestrutura física das empresas e intensificam a desigualdade no acesso aos serviços, especialmente em áreas mais afastadas. 

Estudo do Instituto Trata Brasil de 2024, denominado As mudanças climáticas no setor de saneamento – como secas, tempestades e ondas de calor impactam o consumo de água, aponta que as mudanças climáticas são crescente ameaça para  o setor de saneamento no país, intensificando desafios já existentes e criando riscos para a operação de sistemas de água e esgoto.

Enfrentar esses riscos exige a adoção de estratégias de adaptação climática. Iniciativas que contribuem para a redução dos riscos incluem: fortalecer a infraestrutura de captação e tratamento de água e esgoto; modernização dos sistemas de monitoramento e controle de qualidade da água; e investimentos em tecnologia, como o reuso, contribuindo para diversificar fontes de água. O estudo aponta que essas ações devem ser desenvolvidas tanto pelo poder público quanto pelas empresas de saneamento.

Texto: Chris Reis 

Foto: Arquivo Pessoal/ Jefferson Velozo

Fontes: InfoAmazônia | Inpe | Notícias UOL  | Ondas Brasil | Trata Brasil

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